Na conversão devemos afastar-nos do pecado, de Satanás, do mundo, e da nossa própria justiça.
A – Afastamento do pecado. Quando alguém se converte, automaticamente passa a ser inimigo do pecado, de todos os pecados, antes de mais dos seus, e em especial dos seus pecados mais íntimos. O pecado é agora objecto da sua indignação. Os pecados aumentam-lhe a dor. É o pecado que o penetra e o fere, sentindo-o como um espinho num pé, ou como uma picadela numa vista. Então geme e chora compungidamente, exclamando: «Que infeliz eu sou!» Nada lhe pesa tanto como o pecado. Se Deus lhe desse a escolher, o que mais desejava era ver-se livre do pecado, esse grão de areia que lhe tortura o pé quando caminha.
Antes da conversão vivia com o pecado, acariciava-o no seio, alimentava-o, com ele crescia, comendo e bebendo, e tratando-o com carinho quase filial. Mas desde que Deus lhe abriu os olhos pela conversão, verificou-se uma mudança completa, a começar pelo ódio ao pecado, profundamente convencido não só do perigo, mas também da corrupção desse mal, que é o pecado. Ei-lo agora correndo para Cristo, a banhar-se na fonte que o purificará de toda a impureza. E se voltar a ter uma queda, não descansará enquanto não se purificar novamente, apressando-se a buscar na Palavra de Deus a fonte salutar que o purificará de toda a impureza do corpo e da alma.
O novo convertido está inteiramente empenhado na luta contra o pecado, luta renhida e porfiada, da qual nem sempre sai vencedor. Mas depor as armas, nunca! Pelo menos não haverá paz enquanto tiver um sopro de vida, nessa guerra sem quartel que declarou ao pecado. Pode perdoar a outros inimigos, compadecer-se dele e por eles orar. No que se refere ao pecado, o caso é diferente. Será implacável até ao extermínio completo desse grande inimigo. E com razão assim o persegue para defender uma vida preciosa. Não perdoará. Não pode perdoar. Trate-se embora dum pecado proveitoso, que lhe traga, por exemplo, a estima dos seus amigos mundanos. Não. Será preferível toda a sorte de prejuízos materiais a entregar-se por um só momento ao pecado. Nada de tolerâncias.
Leitor amigo, terá a tua consciência ficado indiferente ao acabares de ler estas linhas? Terás porventura ponderado bem o que nelas se diz? Terás ficado convencido de que te dizem respeito? Se não, lê-as novamente, e deixa que a tua consciência fale.
Crucificaste a carne com os seus afectos e prazeres? Confessaste a Deus todos os teus pecados, abandonando-os e afastando-os da vida prática? Se ainda não o fizeste, é sinal de que não estás convertido. Ao leres estas palavras, não te diz a consciência que vives no caminho da mentira e do erro, e que te estás enganando a ti próprio? Vives no fel da amargura e em comunhão com o pecado?
Não serão testemunhas contra a língua desenfreada, as más companhias, e a falta de oração e de leitura da Palavra de Deus? Não te segreda a consciência que há um caminho que sabes ser mau, mas que segues por meros respeitos humanos? Se for este o teu caso, não te podes considerar convertido e, a menos que mudes de vida, estás condenado para sempre.
B – Afastamento de Satanás. Pela conversão, o homem tem oportunidade de se afastar do poder de Satanás e se integrar na milícia do Céu. Outrora, mal o demónio levantava o dedo para chamar o pecador às más companhias, aos divertimentos pecaminosos e aos prazeres da carne, imediatamente era obedecido, lembrando a Palavra de Deus: «Segue-o logo como boi que vai para o matadouro e como o louco para o castigo das prisões e ainda como a ave que se apressa para o laço, não sabendo que ele está ali contra a sua vida» (Provérbios 7:22,23). Mal Satanás o obrigava a mentir, já a língua estava pronta para o fazer; mal lhe apresentava um gozo carnal, era de ver a satisfação com que o aguardava. Enfim, bastava o demónio dar-lhe a entender qual a sua vontade, imediatamente em tudo lhe obedecia, ponde de lado, se necessário, as suas obrigações. Que transformação, porém, após a conversão! É que o Senhor que agora passou a servir é bem diferente. Há que segui-Lo, seja como for. Talvez Satanás ainda se lembre de lhe estender uma armadilha, mas não é fácil a queda, porque a vigilância acima de tudo! Urge espreitar esse inimigo, que agora o é cada vez mais e que não cessa de recorrer a todos os meios para humilhar o novo convertido. A luta é sem tréguas e contra todos os poderes do mal, que aliás nunca serão bem acolhidos. Em conclusão, é preciso não perder de vista esse inimigo, afugentando-o pelo cumprimento rigoroso do dever, para que nunca lhe leve vantagem.
C – Afastamento do mundo. Enquanto alguém não tiver verdadeira fé, de certeza que é dominado pelo mundo. Ora se deixa seduzir pelas riquezas, ora presta culto à sua própria reputação, ora ama os prazeres mais que ao próprio Deus. Eis a principal razão da miséria moral do homem após o pecado. Voltou-se para a criatura dando-lhe aquela confiança, afecto e amor que só a Deus são devidos.
Que condição tão miserável a do homem, que assim se transformou num monstro disforme, depois de Deus o ter colocado «um pouco abaixo dos anjos». Afinal o monstro com essa disformidade colocou-se abaixo dos demónios, completamente deslocado do seu primitivo e devido lugar. O mundo, que foi criado para vos servir, passou a dominar-vos de tal modo que, seduzidos por ele, começareis a servi-lo.
O que vale é que a graça da conversão o transformará completamente de maneira a repor Deus no seu trono, e o mundo a seus pés. «Estou crucificado para o mundo e o mundo para mim» (Gál. 6:1). Outrora exclamava: «Quem nos mostrará o bem?», mas agora orará assim: «Senhor, coloca sobre mim a luz do teu rosto», e não me interessam o trigo e o vinho (Salmo 4:6,7). Antes era no mundo que se comprazia: «Alma, diverte-te, come e bebe e sê feliz: tens tanta coisa boa e para tantos anos». Hoje tudo se modificou e pode dizer como o Salmista: «O Senhor é a parte da minha herança; tudo me correu à medida dos meus desejos; daí, que rica lembrança me tocou!» Nada mais o pode fazer feliz. Para ele agora todos os prazeres mundanos constituem a mais vã das loucuras, e as pretensões humanas a mais vil das ninharias. Interessa-o agora a vida e imortalidade. Aspira pela graça e pela glória, e tem em vista uma coroa incorruptível. O seu coração está empenhado exclusivamente em procurar a Deus. Primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, quer dizer, a principal finalidade da sua vida é a religião. Em tempos era o mundo que exercia grande influência sobre ele, a ponto de estimar mais os amigos que o próprio Deus. Agora, Cristo está acima do pai e da mãe, e até da própria vida!
Bom leitor, faz uma breve pausa, e repara como te diz respeito quanto se acaba de dizer sobre o mundo e a influência que sobre ti pode ter. Mas queres evitar essa influência e dedicar-te a Cristo? Porventura sentes-te mais à vontade quando, rodeado de deleites carnais, pensas no mundo, do que quando te retiras do bulício desse mundo para orar e meditar, ou assistir ao culto da Palavra de Deus? A prova mais evidente de que ainda não pertencemos a Cristo é admitir a supremacia do mundo a tudo quanto é espiritual.
Após a conversão, Cristo ocupa o lugar do mundo. O Seu nome é gravado profundamente no coração de quem agora para sempre Lhe pertence. Com a revelação salvadora de Cristo tudo caiu por terra, como Dagon diante da Arca: honra, riquezas, futilidades. E em compensação que adquiriu? Uma pedra preciosa de inestimável valor, um tesouro, uma esperança que é uma glória. «O meu amado é meu, e eu sou dele». Oh! que felicidade o poder exclamar: «Cristo é meu».
D – Afastamento da nossa própria justiça. Antes da conversão, o homem julga-se capaz de se bastar a si próprio, de confiar nas suas possibilidades, de exaltar a sua justiça, em vez de se submeter a Deus. A conversão vem, todavia, modificá-lo completamente, de maneira a nada atribuir à sua própria justiça, que de hoje em diante de nada lhe serve. Agora é levado a uma pobreza de espírito que considera todos os seus bens como miseráveis e sem proveito espiritual algum. No que agora considera santo via antes um mundo de iniquidade, e o que outrora idolatrava, para ele não passam presentemente de meras ninharias. O que agora sobe no seu conceito é unicamente a justiça de Cristo. Via necessidade de Cristo em toda a sua conduta, para o justificar e santificar. Sem Ele não pode viver, sem Ele não pode orar. Sem Ele não pode aproximar-se de Deus. Sem Ele não é ninguém, porque a sua vida está presa à de Cristo, como a raiz à terra para fixar toda a árvore. Cristo, um ser sem qualquer interesse outrora, é hoje duma suavidade extraordinária. Agostinho não podia ler o seu estimado Cícero, só por não encontrar nos seus escritos o nome de Cristo. Com que ênfase se exprime numa das suas famosas Meditações: «O suavíssimo, amantíssimo, bondosíssimo, querido, precioso e desejado Jesus!» (Med. c. 37). O novo convertido só tem em vista um objectivo: CRISTO.