quarta-feira, 19 de agosto de 2009

UM GUIA SEGURO PARA O CÉU - Joseph Alleine

4. A causa final ou o fim da conversão é a salvação do homem e a glória de Deus. Fomos escolhidos pela santificação para a salvação (II Tess. 2:13), chamados para sermos glorificados (Rom. 8:30), mas especialmente para que Deus fosse glorificado (Isaías 60:21), para que manifestássemos os Seus louvores (I Ped. 2:9) e frutificássemos em boas obras (Col. 1:10).
Ó cristão, não esqueças a finalidade da tua vocação. Que a tua lâmpada brilhe, que os teus frutos sejam bons e abundantes, e naturalmente próprios da estação (Salmo 1:3). Que os vossos desígnios coincidam com os de Deus, para que Ele seja glorificado em vós (Filip. 1:20).

5. Quem deve converter-se? O pecador eleito e no seu todo, de corpo e alma. Aos que Deus predestinou, a esses também chamou (Rom. 8:30). Ninguém vem a Cristo por sua livre vontade ou só pela fé, mas só as ovelhas que o Pai lhe confiou (João 6:37 e 44). A vocação eficaz coincide com a eleição eterna (II Ped. 1:10).
Começais mal, se pensardes primeiramente como fostes escolhidos. Não, antes de mais a conversão, e em seguida não há dúvida da escolha. O que Deus promete é infalível! Mas já estou a ouvir a voz dos rebeldes: «Se me escolheram, estou salvo, suceda o que suceder; se não me escolheram, estou condenado, quer queiram quer não». Mas como? Desconheceis a Palavra de Deus? Ouvi-a: «Arrependei-vos e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados». Se mortificardes as obras do corpo, vivereis». «Crede e sereis salvos» (Actos 3:19; Rom. 8:13; Actos 16:31). Quereis mais claro que isto? Não comeceis então por saber se sois eleitos ou não, mas arrependei-vos e tende fé. Pedi a Deus a graça da conversão. A fé revelada pertence-vos: cuidai dela. Assimilai-a. Alimentai-vos da Palavra de Deus, cujas promessas são infalíveis. Sejam quais forem os desígnios do Céu, tende a certeza que o arrependimento e a fé vos salvarão. Quem não se arrepender tem certa a condenação. Não será motivo suficiente para caminhardes com firmeza no caminho da vida eterna?
Mas quem dum modo particular deve converter-se? Todos, absolutamente todos os homens. Instintos de bondade não bastam. Uma boa educação não é sinónimo de conversão. Conversão é mais do que a simples reparação dum edifício. É a demolição completa e total, para se erguer uma nova estrutura. Não se trata de coser um remendo, mas renovar por completo um guarda-roupa. Isto é que é a conversão. O cristão sincero é, por assim dizer, um edifício novo, dos alicerces ao telhado; um vestido ou um fato a estrear. Sendo assim, é uma nova criatura, pois tudo se renovou (II Cor. 5:17). A conversão é uma obra de renovação. Um novo homem num mundo novo. Vejamos agora, pormenorizadamente, como essa renovação se estende ao espírito, aos membros corporais e à vida prática.

A – O espírito
A conversão modifica a balança do juízo final, de sorte que Deus e a Sua glória pesam mais do que os interesses carnais e mundanos. Pela conversão abrem-se os olhos da inteligência, caem as escamas da ignorância primitiva e voltam-se os corações das trevas para a luz. Quem antes não compreendia o perigo em que se encontrava, julgava-se perdido para sempre, mas agora renovado pelo poder da graça. Aquele que outrora já nada via mal no pecado, agora considera-o o pior de todos os males. Vê nele o absurdo, a injustiça, a deformidade, evita-o e aborrece-o (Rom. 7:15; Job42:6; Ezeq. 3631). Aquele que só conhecia pequenos pecados, não achando motivo para os confessar a Deus, descobrirá agora quão profunda era a corrupção de todo o seu ser, e exclamará: «Quanta impureza, meu Deus!Aspergi-me com o hissopo, lavai-me completamente, dai-me um coração puro». É como se fosse uma árvore apodrecida desde a raiz até aos mais brandos rebentos (Salmo 14:3; Mat. 7:17-18). Agora descobre ainda recantos pecaminosos, que desconhecia, e onde se anichavam crimes hediondos, como a blasfémia, o homicídio, o adultério. Até aqui nada interessava em Cristo, cuja beleza lhe passava despercebida; mas agora encontrou o tesouro escondido e vende tudo até comprar o campo. Cristo é a pérola que procura.
Em conformidade com a nova luz, modificou-se o espírito do homem. Agora Deus vive com ele, e para ele é a suma felicidade que neste mundo pode desejar. Nada se Lhe compara, nem os mais úteis e necessários dos bens materiais, como o trigo, o vinho e o azeite, em que outrora se deliciava (Salmo 4:6-7). Um hipócrita pode concordar que Deus é o Sumo Bem. Assim o pensaram alguns pagãos célebres. O que o hipócrita ou o pagão não é capaz é de se aproximar desse Bem, para o possuir definitivamente. Esta é a voz do convertido: «O Senhor é a minha herança, diz a minha alma. A quem tenho eu no Céu, senão a Ti? E na terra não há quem eu deseje senão a Ti. Deus é a força do meu coração e a minha herança para sempre. (Lam. 3:24; Salmo 73:25-26).

A conversão modifica a vontade quanto aos meios, e quanto ao fim a atingir. Transformadas as intenções da vontade, os fins e os desígnios do homem são outros. Agora procura Deus acima de tudo, e nada ambiciona neste mundo senão a Sua glorificação. Julga-se mais feliz do que antes, com todas as riquezas da terra, aspirando apenas servir a Cristo e dar-Lhe glória, para que o Seu nome seja cada vez mais conhecido.
Leitor, és capaz de ler estas páginas sem perguntar a ti mesmo se é isto que se passa contigo? Pára um pouco e examina a tua consciência.
Modificaram-se as preferências. Fixa-se a Deus como sua felicidade, e a Cristo como meio de o conduzir a Deus. Escolhe Jesus para seu Senhor. Vem a Cristo, não forçado pelas circunstâncias, nem por mera necessidade, mas espontâneamente e com alegria. Nada de consciências atemorizadas! Não é o caso do pecador moribundo, a quem se coloca na alternativa de escolher entre Cristo e o Inferno, e naturalmente opta por Aquele. Não. De livre vontade resolve aderir a Cristo, que prefere a todos os bens deste mundo, enquanto viver (Filip. 1:23). A santidade será o novo caminho a seguir, embora não o faça por necessidade, mas por amor. «Escolhi o caminho dos teus preceitos» (Salmo 119:173). E com que prazer suporta o jugo de Cristo! A santidade não é já o medicamento amargo que se toma para fugir à morte, mas sim um alimento gostoso que se toma sempre com prazer. Que agradável o tempo dispendido nos exercícios da santidade! E é isto que lhe causa prazer à vista e alegria ao coração! Pergunta à tua consciência se és tu este homem, bem-aventurado. Mas cautela, que sejas imparcial neste conhecimento de ti mesmo.

A conversão modifica a inclinação dos sentimentos,
que passam a levar outra orientação e a circular, por assim dizer, num novo canal. É o Jordão que volta atrás, com as águas correndo em sentido contrário ao natural. Cristo é a sua esperança. E este é o prémio. Tal como o negociante de pérolas alija toda a carga ao mar, só para não perecer e uma jóia preciosa que consigo traz, assim o convertido tudo perde, para não perder a graça. Por isso procura-a ardentemente, como se tratasse do mais valioso dos tesouros humanos. De posse dele, ficará sendo santo e mais feliz do que o mais letrado, o mais famoso e o mais rico dos homens. Outrora dizia: «Oh! se fosse grande a minha reputação, se nadasse em riquezas, nada faltando a mim e aos meus, que felicidade suprema! Era com certeza o mais feliz dos homens!» Agora, porém, é outra a fala do convertido: «Oh! se eu tivesse submetido as minhas paixões e conseguido a graça e a amizade de Deus, embora pobre desprezado, seria um homem feliz e bem-aventurado». Leitor amigo, será esta também a linguagem do teu coração?
As tuas alegrias modificaram-se. Alegra-se agora tanto no caminho dos testemunhos de Jesus, como outrora em todas as riquezas. Rejubila na lei do Senhor, quando outrora pouco interesse ela lhe despertava. A sua única alegria é viver e alegrar-se em Cristo e na Sua companhia, e na prosperidade do Seu povo.
Modificaram-se também as suas preocupações. Em tempos dedicava-se totalmente ao mundo e aos seus problemas. Para a alma, uns escassos momentos livres, quando muito. Hoje o seu grito é este: «Que devo fazer para me salvar?» (Actos 16:30). A grande preocupação é assegurar a salvação da alma. Oh! como ficaria contente, se te visse proceder do mesmo modo!
Os seus temores hoje já não são tanto os de sofrer como de pecar. Antigamente era o receio de perder a sua posição social, a sua reputação perante o mundo, a dor, a pobreza, a desgraça. Agora, tudo isso é nada, comparado com o desprezo por amor de Deus. Com que prudência agora caminha, para evitar as ciladas do inimigo! Olha para todos os lados, rodeia-se de todas as precauções, para não cair no pecado. Agora nada o apoquenta como o separar-se de Cristo.
O seu amor toma outra orientação. «O meu Amor foi crucificado», exclama Inácio, referindo-se a Cristo. «Este é o meu amado, brada a esposa (Cant. 5:16). Quantas e quantas vezes Agostinho confia o seu amor a Cristo, não encontrando palavras apropriadas para o exprimir: «Permite que eu veja, ó Luz dos meus olhos! Vem, ó alegria do espírito! Deixa-me possuir-te, ó regozijo do meu coração! Deixa-me mostrar-te o meu amor, ó vida da minha alma. Vive junto de mim, ó meu grande prazer, meu doce conforto. Ó meu Deus, minha vida, e toda a glória da minha alma. Permite que te encontre, ó desejo do meu coração, e te possua, Amor da minha alma. Permite que te abrace, ó esposo celestial, e que sejas meu!»
Tomarão outro caminho as suas tristezas (II Cor. 7:9-10). A vista do crucificado e o conhecimento dos seus pecados, que tanta aflição lhe causavam, são hoje motivos que muito lhe alegram o coração!
É grande o seu ódio contra o pecado, a ponto de se considerar louco, por não o poder contemplar (Salmo 73:22; Prov. 30:2). Podia outrora atolar-se nele com prazer; agora detesta o pensamento de a ele voltar.
Consulta o coração e vigia a corrente geral dos teus sentimentos, verificando se acima de qualquer outro interesse, todos eles se dirigem a Deus, em Cristo. É certo que se encontram muitas vezes nos hipócritas bruscas mudanças, especialmente quando estes são de temperamento quente. Pelo contrário, os bons cristãos, de temperamento mais lento no geral, sem sequer têm consciência do despertar desses sentimentos. O principal é determinar com firmeza a nossa posição perante Deus, colocando-O acima de todos os outros bens, reais ou aparentes. Se assim for, e mercê duma boa orientação, podemos ter a certeza de que a alteração verificada foi salvadora.

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