quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Interessantes Notas Biográficas

Uma boa leitura é como um bom prato que nos é servido. Os gostos podem ser esquisitos, no que concerne a ementas e estranhados por terceiros. De igual modo, as leituras. Ao compartilhar apontamentos da vida de um santo homem de Deus do séc. 17, espero, com o serviço, agradar aos nossos leitores e trazer-lhes muito proveito.

JOSÉ ALLEINE
Nasceu no seio duma família puritana [concepção da fé cristã desenvolvida na Inglaterra por uma comunidade de protestantes radicais depois da reforma] em Devizes (Wiltshire), na Inglaterra e foi baptizado em 8 de Abril de 1634. A sua pátria atravessava então uma situação deveras difícil que a levaria em breve à guerra civil, e ainda Alleine não tinha os seus dez anos quando viu abalada a Praça do Mercado, onde se encontrava a casa em que vivia, atingida pelos canhões dos monárquicos, que se apressaram a chamar às fileiras todos os puritanos para combater na batalha de Roundway (Julho de 1643). Dois anos mais tarde, os acontecimentos modificaram-se, e Cromwell viu a bandeira azul do Parlamento flutuar no topo do velho castelo, mesmo defronte da casa de infância de Alleine, cuja família passou então por grandes provações. Em consequência da guerra, seu pai atravessou graves crises económicas, embora, como tecelão, tivesse uma situação privilegiada, graças ao sacrifício de muitos anos de trabalho. Para cúmulo da infelicidade, o filho mais velho, Eduardo, já no ministério, acabava de morrer. Estávamos em 1645.
Nesse mesmo ano viu-se Alleine fazendo progressos no seio da comunidade cristã, e insistindo nos estudos que pretendia seguir, a fim de suceder ao irmão no trabalho do ministério. Assim o vemos partir em Abril de 1649 para Oxford, onde teve como mestres os já famosos João Owen e Tomás Goodwin. Em Novembro de 1651 transitou do Colégio Lincoln para o Corpus Christi, já sob a presidência do piedoso Dr. Eduardo Stauton, que se preparava para fazer daquele estabelecimento de ensino um bom seminário puritano. Foi aqui que Alleine se formou em Letras em 6 de Julho de 1653, exercendo em seguida os cargos de professor e capelão. Por influência de Alleine, em Oxford, é que em 1660 Henrique Jessey podia escrever: «Julgo que nada no mundo se pode comparar com o Corpus Christi, onde uma multidão de jovens prestava culto a Deus em toda a pureza e santidade. Era um verdadeiro Paraíso, mas agora (depois dele sair) não passa dum deserto ermo e infrutífero».
Os anos que Alleine passou em Oxford caracterizaram-se pela piedade e pela diligência nos estudos. Dotado duma disposição afável, conquistou muitos amigos, apenas não lhes consentindo que o interrompessem quando estudava. Despedia-os até, dizendo: «É preferível que me julguem pouco atencioso e até rude, do que eu venha a perder o meu tempo. Porque são poucos os que nisso reparam, mas muitos sabem o que é perder o tempo». Como capelão procurou evangelizar as aldeias da vizinhança de Oxford, e de quinze em quinze dias pregava aos encarcerados, visitando-os na prisão. Tal era a preparação que levava para o seu futuro ministério. Com pouco mais de vinte anos já desejava ardentemente a conversão das almas, por quem derramava lágrimas e orava constantemente.
Não admira, pois, que o ilustre teólogo puritano Jorge Newton (1602-1681), pastor de Santa Maria Madalena, em Taunton, o convidasse para seu assistente em 1655. Taunton, pequena cidade de 20 000 habitantes, célebre pela indústria dos lanifícios, era considerada uma fortaleza puritana no Ocidente da Inglaterra. O espírito da cidade manifestara-se dez anos atrás, quando, com heróica firmeza, resistiu a vários cercos impostos pelos monárquicos, se bem que metade das casas fossem destruídas por um tiroteio violento de granadas e muitos dos habitantes mortos de fome! Foi aqui, no meio destas colinas, destes prados e destes pomares de Somerset que Alleine passou o seu curto mas inolvidável ministério.
Apenas iniciou a sua obra em Taunton, em 4 de Outubro de 1655 desposou a prima Teodósia Alleine, mulher de rara espiritualidade, que renunciou ao lar para acompanhar o marido no ministério. A única «falta» que lhe encontrava era a de não passar mais tempo junto dela, mas por vezes a resposta era esta: «oh, minha querida! Eu sei bem que a tua alma está salva! Mas quantas tenho eu de vigiar para que não pereçam? Oh, se eu pudesse fazer mais por elas!» Toda a vida de Alleine corresponde ao que muitas vezes costumava dizer: «Tragam-me um cristão que considere o seu tempo mais precioso que o ouro». Ao começar uma nova semana, era frequente ouvi-lo exclamar: «Mais uma semana diante de nós! Gastemo-la no serviço do Senhor!» E todas as manhãs: «Vivamos bem este dia». «Enquanto teve saúde – escreve a esposa – levantava-se às quatro horas, ou até antes, e aos domingos mais cedo ainda, se possível; muito se aborrecia se ouvisse lá fora o ruído dos ferreiros, sapateiros, pedreiros ou outros artífices e operários a iniciarem o seu dia de trabalho, antes que ele cumprisse os seus deveres para com Deus. Então dizia-me: - Este barulho envergonha-me! O meu Senhor não merece mais que os deles? Das quatro às oito passava o tempo em oração, em santa contemplação, cantando salmos (tanto do seu agrado!) e cumprindo todos os seus deveres para com Deus, sozinho, e também com a família, como era costume».
O casal dedicou-se de alma e coração à causa das almas. Teodósia fundou uma escola em sua própria casa, enquanto o marido cinco tardes por semana atendia sem cessar às necessidades urgentes dos incrédulos, organizando mesmo um catálogo com os nomes de todos os habitantes de cada rua, a fim de poder mais facilmente visitá-los e pregar-lhes as verdades da fé. O resultado, como não podia deixar de ser, foi uma numerosa colheita de almas, pela qual ele e a esposa davam graças a Deus, vendo em tão poucos anos tantos convertidos, que antes mal conheciam a Deus. «Graças às suas súplicas e fervorosas exortações, sempre cheias de zelo e de vigor – escreve Jorge Newton – confundiam-se totalmente os ouvintes, de tal modo os enternecia e lhes abrandava os corações». É evidente que mesmo numa época em que a pregação vitoriosa do Evangelho era relativamente comum, o ministério de Alleine sobressaía ao dos seus irmãos. «Poucas épocas da história produziram tão eminentes pregadores, como a de José Alleine» - declarou o puritano Olivério Heywood. E Baxter alude à «sua grande habilidade ministerial na explicação e na aplicação das Escrituras, tão terna, tão convincente, tão poderosa».
Mas novos acontecimentos o esperavam, após a morte de Cromwell que ocorreu três anos depois. Só mais dois anos, e os sinos de Taunton repicaram festivamente a dar as boas-vindas a Carlos II, o restaurador da monarquia (1660). Foi, porém, sol de pouca dura a iluminar o coração dos puritanos, que depressa viram desaparecer aquela era de fervor cristão, que descera sobre o país. É que em 1662, pelo infame Acto de Uniformidade, 2000 dos melhores ministros que a Inglaterra jamais tivera, foram pura e simplesmente proibidos de pregar a Palavra de Deus. Dos oitenta e cinco da província de Somerset faziam parte, naturalmente, Newton e Alleine. Mesmo assim Alleine não se conformou. Como conta a esposa, pôs de parte todos os outros estudos, pois sabia que não era longo o seu tempo, e dedicou-se activamente à pregação. Pregava catorze vezes na semana, por vezes dez, e quase sempre seis e sete. Por fim, após muitas ameaças, Alleine recebeu uma intimação a 26 de Maio de 1663. Na noite seguinte reuniu os seus fiéis, cerca das duas da madrugada, tendo comparecido prontamente numa multidão de crentes de todas as idades e condições. Pregou e orou com todos durante cerca de três horas. No dia seguinte foi conduzido à prisão de Ilchester. Libertado um ano depois, viu-se envolvido em outros processos. Continuou, todavia, a pregar em segredo até 10 de Julho de 1666, embora fisicamente abalado. Nessa tarde, quando pregava sobre o Salmo 147:20 numa casa particular, abriram-se as portas e Alleine foi conduzido novamente para a prisão. Mais uma vez foi posto em liberdade; e com novas energias espirituais julgava-se com dever a fazer mais ainda pela causa do Evangelho. «Temos mais um dia, diria à esposa ao levantar-se, mais um dia para Deus; vivamo-lo bem, trabalhando arduamente pelas almas; juntemos mais tesouros no céu, porque vai-se aproximando o tempo de deixar este mundo». Teodósia conta-nos como, com verdadeiro espírito puritano, os seus pensamentos se voltaram para a possibilidade de ir missionar no País de Gales ou até para a China. Nunca o Evangelho de Jesus Cristo inflamou tão ardentemente um coração inglês! Mas a sua obra aproximava-se do fim, pois a constituição física ficara profundamente abalada com os maus tratos nas prisões e o seu corpo definhava lentamente. Em 17 de Novembro de 1668, com a idade de trinta e quatro anos, Deus abrandou-lhe o sofrimento, chamando-o para junto de Si. Acompanhou o corpo o piedoso Newton até junto da sepultura na igreja, onde outrora ressoaram as palavras e os conselhos de «alarme» a todos os incrédulos.
«Um Guia Seguro Para O Céu» engloba a substância da mensagem de Alleine e podemos considerá-lo um verdadeiro modelo de evangelismo puritano. A construção da frase pode variar de época para época, assim como os dons de homem para homem, mas aqui, podemos afirmá-lo categoricamente, são os princípios que devem estar presentes em qualquer autêntica exposição do Evangelho. Muitos dos grandes evangelistas se inspiraram na leitura das suas mensagens. Jorge Whitefield, quando ainda estudante em Oxford, fala-nos nos seus diários do «muito que o beneficiou» o Alarme de Alleine. C.H. Spurgeon lembra como sua mãe lhe lia trechos de suas mensagens, quando ainda criança, aos domingos à noite, junto da lareira. «Lembro-me, ao acordar – acrescenta Spurgeon – que o meu primeiro pensamento ia para o Alarme de Alleine, ou para o Convite aos Incrédulos de Baxter. Oh! Que livros esses! Não os lia, devorava-os!...» Com o coração assim inflamado do fogo da teologia puritana, Spurgeon estava preparado para seguir as pisadas de Alleine e Whitefield.
Publicaram-se numerosas edições do livro “Um Guia Seguro Para O Céu” que apareceu a lume pela primeira vez em 1671. O Dr. Calamy assim alude a ele em 1702: «Milhões de pessoas devem dar graças pelos benefícios recebidos através deste livro, pois nenhum em língua inglesa (a não ser a Bíblia) se lhe pode comparar pelo número de exemplares que andam dispersos nas mãos de todos. Só vinte mil venderam-se com o título «Convite», ou «Alarme», e cinquenta mil com o título «Guia Seguro para o Céu», sendo trinta mil duma só edição». Como exemplo notável da influência deste livro, note-se o seguinte caso. Pelos fins do séc. 18, um ministro duma província da Escócia, homem de grande sabedoria, mas de pouco fervor evangélico, foi abordado por um editor-livreiro para traduzir o «Alarme» no dialecto da região, o gaélico. Folheou o livro e, achando-o interessante para o púlpito, começou a servir-se dele para as suas pregações, seguindo-se quase capítulo por capítulo. O resultado foi sensacional, pois despertou tanto as almas que durante muito tempo não se falava doutra coisa naquela província.
A divulgação desta biografia e da mensagem de José Alleine é acompanhada de oração para que chova sobre elas a bênção d’Aquele cuja palavra é «rápida e poderosa e mais aguda do que uma espada de dois gumes». «Toda a carne é como a erva, e toda a glória do homem como a flor da erva. Secou-se a erva e caiu a sua flor; mas a Palavra do Senhor permanece para sempre; e esta é a palavra que entre vós foi evangelizada» (1 Pedro 1:24-25).

Sem comentários: